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sexta-feira, janeiro 15, 2016

PSICOLOGIA E RELIGIÃO, OLHARES DIFERENCIADOS DO MESMO FENÔMENO.










As questões e conflitos entre psicologia e práticas místicas ou religiosas têm adquirido relevância em nosso meio, seja em função de posturas cristãs fundamentalistas ou esotéricas de alguns colegas. Atendendo a esta demanda, os Conselhos buscam esclarecer e fundamentar a prática da psicologia nos parâmetros éticos e científicos da profissão.
A chamada “onda mística que assola o País já há alguns anos” não é algo tão facilmente desconsiderado ou que devamos simplesmente pensar em resguardar a psicologia da “lama negra do ocultismo”, como no início da psicanálise. Parece que a questão não é tão simples assim.
Nossa cultura foi construída na tradição católica popular portuguesa, amalgamada por práticas religiosas indígenas e africanas. Nossa religiosidade sempre incluiu aspectos místicos que foram se difundindo na cultura em geral. E que de outro modo poderia ser, uma vez que uma das expressões humanas é o comportamento religioso – devotado a um deus, aos espíritos, ao capital ou ao partido? O comportamento religioso e místico é observado em todas as culturas e épocas, mesmo quando a Razão foi elevada à condição de deusa durante o Iluminismo.
Isto posto, não entendo a questão do misticismo esotérico como algo que bate às portas da psicologia há alguns anos. Se isto for verdadeiro, é o mesmo que admitir que a psicologia nunca quis olhar a dimensão mística e religiosa de nossa cultura. Quem poderá afirmar que o misticismo chegou no País depois da psicologia?
É fato de que em muitas regiões do Brasil as pessoas confiam mais nas tradicionais benzedeiras do que nas práticas médicas convencionais. Certamente este dado evidencia uma sociedade organizada na desigualdade social, em que muitos nunca tiveram acesso a tratamentos médicos adequados e que o apoio místico das benzedeiras foi o único alento em meio ao sofrimento físico e emocional. Não quero dizer com isto que somente o tratamento médico resolveria todo o problema, pois se pode correr o risco de perder a alma sem as benzedeiras. Entendo alma aqui como raiz, cultura e espírito de uma comunidade.
Com o desenvolvimento das ciências biológicas, psicológicas e sociais, certamente os antigos xamãs, curandeiros, adivinhos e outros foram forçados a ceder lugar aos médicos, psicólogos e sociólogos. Os séculos XIX e XX demonstraram o triunfo da ciência e igualmente o da insanidade. Não estou me referindo ao doente mental, que foi institucionalizado na tentativa da sociedade exorcizar o seu próprio mal estar coletivo, personificado no indivíduo desidentificado. Refiro-me aos que julgando-se portadores da racionalidade científica jogaram o mundo em duas grandes guerras, em holocaustos e guerras, para dizer o mínimo, insanas. Nunca houve tanta ciência no mundo, e este conhecimento jamais se comprovou comprometido exclusivamente com o bem estar e desenvolvimento humano.
Não pretendo aqui negar o conhecimento científico e tão pouco sua importância no desenvolvimento humano, mas gostaria de afirmar minha posição de que a ciência não é a única verdade pela qual deva se pautar a vida humana e a sociedade. O dinamismo humano inclui outras verdades que, embora não sejam científicas, compõe o substrato de nossa experiência. Refiro-me a um quatérnio de “campos de experiência”, em que cada qual possui suas verdades, e conjunto de saberes, ainda que por métodos diferentes. Como podemos afirmar que a metodologia científica é a única forma de se acessar um conhecimento? Cada um dos quatro campos tem sua metodologia própria, e estas metodologias podem criar pontes de diálogo através de uma abordagem sistêmica e holística.
Estes campos são: As Ciências, As Artes, As Filosofias e As Religiões.
Quem atenta para o humano e para si mesmo, percebe a dinâmica destes saberes que coexistem na experiência humana, se entrelaçam, se constroem e reconstroem ao longo da vida e da história. Uma verdade cientifica é tão real quanto uma verdade artística, religiosa ou filosófica. Cada saber se constrói com base nas diversas experiências. Assim, os pressupostos da física, da biologia ou da psicologia são tão válidos quanto o é a obra de J. S. Bach, a filosofia de Kant ou os milagres de Lourdes. Não se utiliza o mesmo método para cada um destes saberes mas, todos eles não exprimem verdadeiramente o fato da existência humana?
Deixando estes saberes todos ao mesmo nível e importância para o desenvolvimento e compreensão humana, gostaria de propor um sistema de abordagem – a questão do olhar.
Entendo cada um de nós como um ser único, apesar de multifacetado. Prefiro me referir ao ser humano como um fenômeno humano que é manifesto em cada indivíduo e na sociedade (presente e histórica). Assim, posso abordar este fenômeno através de diversos olhares. Posso compreender a experiência pelo olhar religioso ou pelo olhar científico.
Se optar pelo olhar religioso, ainda preciso definir se avalio e compreendo a experiência do meu interlocutor sob o olhar da minha perspectiva religiosa ou da dele. ( se pretendo convertê-lo ou afirmar sua crença).
Se optar pelo olhar científico, mais especificamente o psicológico, preciso avaliar e compreender a experiência do meu cliente sob o enfoque da ciência psicológica.
O que está em jogo não é o fenômeno em si, que pode abarcar muitas leituras; mas a questão está “nos olhos de quem vê”. Posso observar uma plantação de soja como um belo quadro, uma obra do Criador, um bom desempenho agronômico, um processo biológico, um valor econômico, uma exploração de bóias-frias e muito mais. O fenômeno é o mesmo, o que muda é o olhar. E a possibilidade do diálogo entre os olhares diversos possibilita uma maior aproximação do fenômeno observado, com suas múltiplas implicações.
Neste sentido, o psicólogo deve estar consciente do olhar profissional que é esperado dele. O psicoterapeuta não é, no exercício de sua profissão, um xamã – embora trabalhe com os mesmos conteúdos. O que diferencia um do outro é o olhar, a maneira e os referenciais conceituais para interagir com o conteúdo exposto pelo cliente.
O mundo dos espíritos e o inconsciente possuem fenomenologia semelhante. No entanto, o psicólogo o abordará do ponto de vista científico e o xamã do ponto de vista mágico e espiritual. Um não invalida o outro.
Igualmente, quando o cliente traz conteúdos religiosos, a conduta mais apropriada ao psicólogo é compreendê-los sob os parâmetros da ciência psicológica e das crenças do cliente, sejam elas quais forem – sem julgamento ou preconceito. A dinâmica religiosa é do cliente e o terapeuta deve respeitar isto, sabendo que a ciência não invalida a religiosidade, mas que esta compõe o todo do seu cliente. Por outro lado, o psicoterapeuta deve atuar com o olhar científico, dialogando com as crenças e valores de seu cliente, bem como com a experiência religiosa deste, sob o ponto de vista dos conteúdos religiosos próprios do cliente e nos limites da prática psicológica cientificamente recomendada.
Finalizando, acredito – e esta é uma expressão da minha crença religiosa na vida- que o fenômeno humano é vasto e não cabe somente nos parâmetros da ciência. – Alguém já imaginou um mundo repleto de seres racionais, deterministas e probabilísticos sem música? – No entanto, na prática profissional, há a necessidade de se diferenciar os saberes científicos dos olhares místicos ou religiosos.
Procurar compreender a pessoa como um ser plural e único e, humildemente, atuar dentro dos limites a que fomos treinados - o olhar psicológico - trará dignidade e profundidade ao nosso trabalho e, quem sabe, poderemos ficar um pouco mais próximos da sabedoria.



Prof. Dr. José Jorge M. Zacharias
CRP06 – 16.104-9
Doutor em psicologia social – USP
Analista trainee pela Associação Junguiana do Brasil – AJB/IPAC
Docente na UNICID e Tancredo Neves.
E-mail; zacharias@terra.com.br 

http://www.symbolon.com.br/artigos/psicoerelig.htm

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Reflexão

Estou aprendendo que a maioria das pessoas não gostam de ver um sorriso nos lábios do próximo.Não suportam saber que outros são felizes... E eles não! (Mary Cely)