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sexta-feira, setembro 17, 2010

Karma e causalidade


Karma e causalidade
Por Roger Taussig Soares (professor da FTU – Faculdade de Teologia Umbandista)

A idéia de "karma" está presente em virtualmente todas as escolas umbandistas e se relaciona com a doutrina da reencarnação e com as regras que definem o processo de evolução espiritual. Como é de se esperar, diante da diversidade intrínseca ao movimento umbandista encontramos também uma variedade de acepções relacionadas à questão do karma. Tentaremos nas próximas linhas discutir essas interpretações, localizar as influências de outras doutrinas e propor, ao final, uma visão mais concernente com as teorias científicas e filosóficas mais atuais.

Karma como prêmio e castigo

Uma das formas mais difundidas de compreensão do karma está ligada à idéia de que teríamos uma história espiritual na qual se registrariam todas as nossas ações. Caso realizemos boas ações, elas reverterão em prêmios, como uma vida próspera e feliz. Por outro lado, quando agimos de modo negativo, precipitamos sobre nós a execução da lei divina que se manifesta em variadas formas de castigos. Muitas religiões, reencarnacionistas ou não, aderem a esse conceito e ainda acrescentam a possibilidade de barganha com o Sagrado na expectativa de atrair seus favores, por meio de promessas, penitências ou pela simples resignação diante do infortúnio. A influência católica é claramente perceptível nessa situação.

É possível esmiuçar essa visão se a levarmos ao ponto do entendimento sobre o que são o Bem e o Mal. Podemos entender esses pequenos prêmios e castigos do karma como instâncias menores, ou seja, minúsculos bens e males, de um grande Bem e um grande Mal, ambos finais, eternos e traduzidos na teologia cristã na forma do Paraíso e do Inferno. Ainda que a teologia cristã não seja totalmente maniqueísta porque não ensina que o Bem e o Mal sejam princípios primordiais, eternos e coexistentes, mas aponte para uma origem do Mal na queda dos anjos, podemos entender que acaba por atribuir um caráter ontológico de realidade do Mal quando ele persiste indefinidamente na forma de danação eterna, após o Juízo Final. Cabe então questionar aos umbandistas se acreditam em um Bem eterno e um Mal igualmente eterno e se o karma acaba por ser a luta entre esses dois opostos que estariam dentro ou fora de nós.

Uma visão diferente é a de que o Mal não existe por si mesmo, mas corresponde a uma falta, uma ausência do Bem. Segundo essa percepção, o mal é a ignorância decorrente do distanciamento da realidade espiritual sempre-existente. Para os sufis, o mal começa com a ilusão da existência de um eu (nafs) e com a percepção distorcida de que a ausência de Deus é possível. Como correção desse distúrbio, o sufismo ensina seus seguidores a encontrarem a Deus na Sua presença e na Sua ausência.

Nota-se que por essa visão o Mal teve origem com o surgimento da ignorância e terá, necessariamente, um fim com a realização da espiritualização plena. Também o mal estaria mais diretamente ligado ou inerente à existência da matéria que se caracteriza pela transitoriedade e pela impermanência. Tudo que é material tem começo e tem fim, como o mal está ligado à perda da consciência espiritual decorrente do mergulho do espírito na matéria, uma vez que recuperarmos a plena consciência da Realidade-Una, ao mesmo tempo transcendente e imanente, será desfeita a ilusão do mal.

Tal visão negativa da existência do Mal se completa com a percepção da relatividade dos conceitos de Bem e de Mal. Várias doutrinas demonstram a relatividade dos juízos de valores que fazemos e que nos utilizamos para conhecer o mundo. Como exemplo, percebemos que só existe o escuro porque existe o claro e vice-versa, por serem conceitos interdependentes. Da mesma maneira, só existe o Bem porque existe Mal. Além disso, a interpretação do que seja bom ou ruim varia entre as pessoas e ainda na mesma pessoa ao longo do tempo.

Diante desse relativismo, podemos concluir que se a evolução aponta para um caminho cada vez mais pleno de espiritualidade e do Bem, em um dado momento o Mal diminuirá tanto que se extinguirá. Quando isso acontecer, também se extinguirá o Bem pois não haverá mais termo de comparação. Essa filosofia está incluída em algumas visões da teleologia umbandista que associam o fim do processo evolutivo ao retorno para o estado da pura consciência espiritual cósmica, ou Reino Virginal. Nessa situação, não será mais necessário o mundo material para a evolução que já terá atingido seu propósito e, portanto, o final da escada evolutiva coincidirá com o fim do universo.

Descartes, Hume, Darwin e karma

O espiritualismo e ocultismo europeus, em linhas gerais, receberam ou importaram várias noções orientais e as adaptaram às suas doutrinas. No processo de tradução verificamos as influências da cultura européia na apropriação de conceitos. Entre elas, destacamos as idéias de linearidade, de causalidade e de evolução.

O pensamento europeu foi bastante determinado pelas luzes do Esclarecimento ou Iluminismo que apostavam na razão como meio para superação dos conflitos humanos e como meta do processo evolutivo. Na expectativa de tornar a espiritualidade mais "científica", observou-se especialmente por parte do espiritismo kardecista, uma valorização do pensamento racionalista cartesiano e das doutrinas de Darwin e Hume como forma de explicar a evolução dos espíritos.

A introjeção desses paradigmas filosóficos-científicos, foi realizada com o intuito de dar maior credibilidade para essas religiões nascentes. Elas seriam respeitáveis porque não seriam apenas religiões, mas também filosofia e ciência. Em contrapartida, aquelas práticas religiosas que davam espaço para a espontaneidade e para a emoção, como as religiões de transe tipicamente africanas e indígenas, seriam consideradas( como o foram no Brasil) formas de baixo espiritismo.

O cartesianismo apresenta-se na doutrina do karma quando se pensa nesse processo utilizando o pensamento de linearidade. Nessa perspectiva, o karma é como um fio ou uma cadeia de eventos que se sucedem uma após o outro, de modo que tudo o que acontece pode ser explicado karmicamente como decorrente de uma ação pregressa nessa vida ou em outras.

Fonte do Texto
http://blog.ftu.edu.br/search/label/karma
Imagem do google

Por uma ética umbandista


A profusão de valores que convivem de modo caótico na sociedade pós-moderna favorece o dinamismo dialético das relações sociais, mas parece gerar também uma carência de referenciais percebida em várias instâncias da vida cotidiana. A multiplicidade de pensamentos se evidencia no âmbito da cultura, da religião, das ideologias, da sexualidade, das artes e por aí em diante. Se, de um lado, devemos valorizar a riqueza que a diversidade produz ao incentivar olhares diferentes sobre os mesmos temas, ampliando sua compreensão; de outro lado, também devemos ter a consciência de que certas questões não deveriam ser tratadas do mesmo modo e a preservação de princípios absolutos, como a igualdade perante a lei, precisa ser garantida para o próprio exercício da pluralidade. Quando se confundem os campos onde deve existir tolerância com aqueles onde se deve cobrar rigor, o resultado é a perda da ética e o atropelamento das liberdades.
Tomando como exemplo a política, verificamos que sua teia é tão complexa e os jogos de poder tão emaranhados que se tornou senso comum pensar que caso surgisse um político ou governante integralmente honesto, ele(ou ela) deveria ceder às pressões e entrar no esquema para não ser expelido pela máquina. Em nome da "governabilidade" acordos espúrios, alianças nebulosas e omissões convenientes são tolerados pelos eleitores na esperança de que, por vias tortuosas, seus representantes alcancem os propósitos anunciados como promessas durante as campanhas. Mas como diz a sabedoria sertaneja, "se atalho fosse bom, não existiria a volta".

No âmbito público são necessários clareza e transparência. Não podemos assumir a atitude de desilusão, achando que não há como mudar. Tampouco devemos sucumbir ao aparentemente irresistível apelo da banalização que torna o próximo crime apenas mais um, em uma sequência interminável.

Ao contrário, podemos lançar mão daquilo que temos como riqueza, que é o nosso olhar que se forma desde a posição da diversidade e da minoria típicas do movimento umbandista, para fazer emergir o monstro da lagoa e podermos enxergá-lo em sua nudez.

Digo isso porque na passagem das gerações, certos valores que se foram construindo ao longo dos séculos, mas que não existiam absolutamente por si só, são tomados como algo natural, auto-sustentados desde sempre. Os pressupostos da democracia como a melhor forma de governo, ou do espírito capitalista e do liberalismo como sistemas de oportunidades para todos merecem a crítica e a reflexão renovado pelo olhar dos que representam a outra ponta da corda. Não fazemos isso e nos quedamos com a sensação ilusória de indissolubilidade de um sistema que, a exemplo da crise econômica dos subprimes norteamericanos, pode ruir a qualquer momento por si próprio. Se tal sistema é capaz de desmoronar pelas próprias inconsistências internas, que dirá pela ação esclarecedora da espiritualidade munida da razão?

Antes da reforma protestante, vivia-se o ideal ascético de pobreza oriundo do catolicismo que impunha uma visão salvacionista aos seus fiéis para justificar a resignação que deles se esperava, enquanto alguns poucos(aristocratas e a própria Igreja) acumulavam os bens materiais.

Com o surgimento da dissidência cristã promovida inicialmente por Lutero e por Calvino, uma nova mentalidade teria se desenvolvido servindo de suporte, como diria Weber, para o nascimento do espírito do capitalismo. Nessa nova versão do contato com os preceitos crísticos, a graça dos eleitos por Deus se manifestava na riqueza material que serviria para glorificar e melhor servir à obra divina. Os trabalhadores, assim como os patrões, de origem protestante, aderiam a regras de conduta rígida, para alguns também ascética, que serviam de suporte para os laços de confiança social e de garantia na realização de negócios entre irmãos de fé. Segundo Max Weber, o espírito do capitalismo surge mesmo em decorrência da mentalidade nutrida pela fé protestante.

Chegamos então à questão crucial(sem trocadilhos) que nos leva a fustigar o monstro sob as águas. Se o capitalismo teve início há tão pouco tempo, não terá também um fim? Qual seria a nova forma de governo, o novo sistema político e econômico que poderia suplantar o capitalismo e a democracia em suas vantagens, sem os desvios do comunismo? Qual o papel de nós, umbandistas, na elaboração dessa nova ética capaz de reconfigurar os laços sociais? Teremos o poder de, assim como os protestantes supostamente o fizeram, criar um espírito que predisponha ao surgimento de uma nova ordem social?

Lançando mão do distanciamento que nos permite o fato de sermos umbandistas, podemos enxergar na posição dos católicos medievais e dos protestantes modernos o mesmo pressuposto subjacente: o direito à propriedade. Enquanto os católicos afirmavam a propriedade por meio da negação desse direito como oferenda em sacrifício, os protestantes afirmavam também a propriedade como forma de enaltecer as bençãos dos céus.

Pela nossa visão, não se trata nem de afirmar, nem de negar a propriedade(reafirmando-a), mas de perguntar primeiro se ela é possível. Se somos seres espirituais, por definição imateriais, adimensionais e atemporais, como podemos ter posse de algo se nossa própria manifestação corpórea não é constante? Se fomos criados ou se apenas originados de uma mesma essência ou realidade absoluta, não deveríamos combater as desigualdades por terem sido introduzidas artificialmente pela ignorância humana e não pela vontade divina?

Na participação política e social dos umbandistas, devemos fazer mais do que simplesmente nos ajustar às conformações do sistema que já impera para encontrar nosso lugar ao sol. Devemos, sim, desafiar consistentemente as próprias bases mentais cármicas que nos conduziram ao estado atual das coisas e estabelecer as fundações para uma nova forma de vida. Não sabemos ainda qual será, mas temos a certeza que dela seremos protagonistas e não simples coadjuvantes como a história nos tem figurado até hoje.





Fonte do texto e Imagem do blog Citado

http://blog.ftu.edu.br/

Reflexão

Estou aprendendo que a maioria das pessoas não gostam de ver um sorriso nos lábios do próximo.Não suportam saber que outros são felizes... E eles não! (Mary Cely)